A experiência que temos com um produto cultural, hoje, é repleta de negociações. Seja uma música, um livro ou um filme, a tensão é quase sempre a mesma. Pode ver, mas não copiar. Já que é só para você, copia, mas não compartilha. Tá, se é para um amigo (só um!), compartilha, vai, mas não muda. Tudo bem, até que dá para mudar, mas antes pede ao “dono” e, se ele deixar, é preciso colocar o nome, explicar, rotular, selar e carimbar, afinal de contas, cultura que é cultura, para ser bem aceita, assim, de papel passado, não pode ser órfã, precisa de uma paternidade autoral. E não é uma paternidade qualquer, mas um nome de força, reputação e autoridade.
Como se vê, da Revolução Industrial até então, a livre circulação da cultura não é tarefa tão simples. Mas nem sempre foi assim. Apesar de a gente associar o comportamento de consumo mais autônomo a técnicas e tecnologias recentes, é de espantar o quanto a necessidade de liberdade no manuseio de objetos culturais é antiga.
Na verdade, é como se tivéssemos findando um período em que a burocratização da produção e difusão cultural está, finalmente, dando espaço mais uma vez à colaboração. Assim como era quando a cultura tinha suas bases no domínio público, quando o contador da história interessava menos que a própria história, quando era possível pegar trechos de criações de sua época e construir outra narrativa.
Até o momento, precisamos esperar quase um século para que uma obra entre em domínio público (e isso não é força de expressão). Todavia, não é tão difícil verificar, hoje, maior autonomia, tanto do criador – que agora não precisa de intermediários para tornar pública sua obra – como da própria obra, que não mais se encerra ao chegar ao público, tendo ele a possibilidade de modificá-la, recombiná-la com elementos de seu repertório e devolvê-la à apreciação da sociedade.
Vemos a internet e as tecnologias digitais como algo que veio quebrar as proteções mais rígidas dos produtos culturais – e veio mesmo. Contudo, mais do que romper, trouxe novas possibilidades de criação, que nos retomam àquilo que é básico para o avanço da cultura e da sociedade, afinal de contas, a cultura é construção coletiva em qualquer época e lugar do mundo e não precisa de donos, intermediários ou proteções, mas, sobretudo, da participação de todos.
Cândida Nobre é jornalista, publicitária e mestranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Culturas Midiáticas, na Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
*material do portal Nós da Comunicação do ciclo Comunicar Cultura, disponível em:http://www.nosdacomunicacao.com/panorama_interna.asp?panorama=196&tipo=G
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