*Wilson da Costa Bueno
A crise financeira está revelando, de maneira contundente, a disposição de muitas empresas para a maquiagem de informações, mesmo em relacionamentos estratégicos como aqueles que mantêm com seus investidores/acionistas. Isso significa que lhes falta uma cultura de comunicação respaldada na transparência, ou seja, elas preferem optar por estratégias de manipulação ou sonegação de informações para preservar os seus próprios interesses.
Certamente não é essa a proposta que os comunicadores modernos defendem para as organizações do presente e do futuro, mesmo porque a não transparência já é percebida como uma desvantagem competitiva, pelo menos a médio e longo prazos.
Talvez aí esteja o erro da estratégia comunicacional de muitas empresas. Não conseguem enxergar além do seu próprio nariz (alguns narizes institucionais são tão avantajados que impedem que elas contemplem o seu entorno!), e convivem com um horizonte restrito, imaginando que o mundo (mesmo o dos negócios) termina a um passo ou a um segundo adiante.
Apostar no cassino da ciranda financeira como fizeram, penalizando os seus investidores, é apenas uma das facetas desta cultura organizacional avessa à autêntica comunicação. Há outras também conhecidas de longa data e que podemos apontar para a maioria das organizações, mesmo para aquelas que andam proclamando com alarde sua sustentabilidade e sua responsabilidade social.
Vamos nos ater a duas delas, ambas indicativas de uma postura não sintonizada com os novos tempos.
A primeira diz respeito ao relacionamento com a imprensa que, na prática, acaba mediando parte significativa de sua interação com a sociedade. Muitas organizações crêem, equivocadamente, que os veículos e jornalistas podem ser utilizados para a divulgação de suas "boas notícias", mesmo quando elas, se internalizadas pela audiência (consumidores, por exemplo), podem penalizá-la.
Este é o caso das indústrias farmacêutica, agroquímica, de biotecnologia, de alimentos, de bebidas ou tabagista (para citar algumas das mais votadas no ranking da falta de transparência) que insistem em fazer a apologia de seus produtos, ainda que eles apresentem inconvenientes formidáveis.
A indústria tabagista mata os próprios consumidores com o cigarro que vende, embora cinicamente continue afirmando (como fez no recente episódio em que foi derrotada pela justiça pela morte de um fumante) que não há provas de que o tabaco provoque determinadas doenças. A indústria de biotecnologia quer nos convencer de que os transgênicos vão matar a fome do mundo (por que não estipulam então um prazo para que a gente possa verificar esta tese idiota e acabar com esta farsa?), preocupada apenas em saciar a sua própria ganância monopolista e vender agrotóxico (veneno) como nunca.
A indústria farmacêutica, em especial os representantes da chamada Big Pharma, gasta bilhões para anunciar produtos que, depois, são recolhidos por prejuízos incalculáveis aos pacientes. A indústria de alimentos anda assaltando as nossas crianças, com propagandas sedutoras que estimulam o consumo não consciente, comprometidas com o aumento da obesidade e a degradação da qualidade de vida. Um universo povoado de palhaços "fast-food", gordura trans, gergelim, salgadinhos e copos gigantes de refrigerantes.
É triste perceber que a mídia muitas vezes endossa estes argumentos falaciosos, seja pela ingenuidade ou falta de caráter investigativo de seus profissionais ( o que dá no mesmo), seja pela disposição para colocar o dinheiro captado junto aos anunciantes acima do interesse público. É a visão mesquinha da sustentabilidade empresarial, já que, para empresários que assumem esta perspectiva, dinheiro não têm cor ou cheiro, ou seja vale qualquer coisa no mundo dos negócios.
A segunda faceta está representada pela falta de transparência na comunicação interna, ancorada em uma gestão e uma cultura autoritárias, que não convivem harmoniosamente com a diversidade, o embate de opiniões, a participação espontânea e o desenvolvimento pessoal e profissional.
Os relatos dramáticos de funcionários (eufemísticamente denominados de colaboradores) de grandes organizações (mas também de médias e pequenas) remetem quase sempre a ações truculentas, ao assédio moral (a AmBev entende bem dessas coisas, se levarmos em conta os inúmeros processos a respeito em todo o País), ao estrangulamento de iniciativas para promover a livre circulação de informações e à manutenção de um clima não saudável.
As empresas continuam, em sua maioria, praticando a tese "de quem pode manda e quem tem juízo obedece", sufocando a liberdade de expressão, punindo aqueles que ousam expressar suas divergências e literalmente expulsando dos seus quadros centenas de jovens talentosos que não se curvam à truculência de chefias incompetentes.
Ainda bem que há exceções, mas elas, na verdade, apenas confirmam a regra, um panorama triste para o século XXI que se caracteriza pela agilidade e instantaneidade dos relacionamentos e que postula equidade, justiça social e compromisso com a qualidade de vida.
As empresas não transparentes não conseguem, felizmente, permanecer impunes por muito tempo: pelo contrário, estão cada vez mais estão expostas, com suas mazelas e posturas autoritárias reveladas por blogs, grupos de discussão e processos que se multiplicam aqui e acolá, como represália de uma sociedade que anda farta das corporações predadoras.
É preciso mesmo despi-las em público, mostrar a sua verdadeira cara, repudiar sua cultura organizacional transgênica, avessa ao diálogo, intolerante e ultrapassada.
A comunicação empresarial deve estar comprometida com a transparência, com a ética, com o profissionalismo e repudiar maquiagens, limpezas de imagem, promovidas por empresas e agências de comunicação "de porta da cadeia", sempre dispostas (por um bom dinheiro, é claro) a ludibriar a opinião pública.
Transparência já. O resto é tabaco, amianto, glifosato, Vioxx, bebida alcoólica e Big Mac.
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*Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP e professor de Jornalismo da ECA/USP. Diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa.
Disponível em: http://www.comunicacaoempresarial.com.br/comunicacaoempresarial/artigos/comunicacao_corporativa/artigo14.php
A crise financeira está revelando, de maneira contundente, a disposição de muitas empresas para a maquiagem de informações, mesmo em relacionamentos estratégicos como aqueles que mantêm com seus investidores/acionistas. Isso significa que lhes falta uma cultura de comunicação respaldada na transparência, ou seja, elas preferem optar por estratégias de manipulação ou sonegação de informações para preservar os seus próprios interesses.
Certamente não é essa a proposta que os comunicadores modernos defendem para as organizações do presente e do futuro, mesmo porque a não transparência já é percebida como uma desvantagem competitiva, pelo menos a médio e longo prazos.
Talvez aí esteja o erro da estratégia comunicacional de muitas empresas. Não conseguem enxergar além do seu próprio nariz (alguns narizes institucionais são tão avantajados que impedem que elas contemplem o seu entorno!), e convivem com um horizonte restrito, imaginando que o mundo (mesmo o dos negócios) termina a um passo ou a um segundo adiante.
Apostar no cassino da ciranda financeira como fizeram, penalizando os seus investidores, é apenas uma das facetas desta cultura organizacional avessa à autêntica comunicação. Há outras também conhecidas de longa data e que podemos apontar para a maioria das organizações, mesmo para aquelas que andam proclamando com alarde sua sustentabilidade e sua responsabilidade social.
Vamos nos ater a duas delas, ambas indicativas de uma postura não sintonizada com os novos tempos.
A primeira diz respeito ao relacionamento com a imprensa que, na prática, acaba mediando parte significativa de sua interação com a sociedade. Muitas organizações crêem, equivocadamente, que os veículos e jornalistas podem ser utilizados para a divulgação de suas "boas notícias", mesmo quando elas, se internalizadas pela audiência (consumidores, por exemplo), podem penalizá-la.
Este é o caso das indústrias farmacêutica, agroquímica, de biotecnologia, de alimentos, de bebidas ou tabagista (para citar algumas das mais votadas no ranking da falta de transparência) que insistem em fazer a apologia de seus produtos, ainda que eles apresentem inconvenientes formidáveis.
A indústria tabagista mata os próprios consumidores com o cigarro que vende, embora cinicamente continue afirmando (como fez no recente episódio em que foi derrotada pela justiça pela morte de um fumante) que não há provas de que o tabaco provoque determinadas doenças. A indústria de biotecnologia quer nos convencer de que os transgênicos vão matar a fome do mundo (por que não estipulam então um prazo para que a gente possa verificar esta tese idiota e acabar com esta farsa?), preocupada apenas em saciar a sua própria ganância monopolista e vender agrotóxico (veneno) como nunca.
A indústria farmacêutica, em especial os representantes da chamada Big Pharma, gasta bilhões para anunciar produtos que, depois, são recolhidos por prejuízos incalculáveis aos pacientes. A indústria de alimentos anda assaltando as nossas crianças, com propagandas sedutoras que estimulam o consumo não consciente, comprometidas com o aumento da obesidade e a degradação da qualidade de vida. Um universo povoado de palhaços "fast-food", gordura trans, gergelim, salgadinhos e copos gigantes de refrigerantes.
É triste perceber que a mídia muitas vezes endossa estes argumentos falaciosos, seja pela ingenuidade ou falta de caráter investigativo de seus profissionais ( o que dá no mesmo), seja pela disposição para colocar o dinheiro captado junto aos anunciantes acima do interesse público. É a visão mesquinha da sustentabilidade empresarial, já que, para empresários que assumem esta perspectiva, dinheiro não têm cor ou cheiro, ou seja vale qualquer coisa no mundo dos negócios.
A segunda faceta está representada pela falta de transparência na comunicação interna, ancorada em uma gestão e uma cultura autoritárias, que não convivem harmoniosamente com a diversidade, o embate de opiniões, a participação espontânea e o desenvolvimento pessoal e profissional.
Os relatos dramáticos de funcionários (eufemísticamente denominados de colaboradores) de grandes organizações (mas também de médias e pequenas) remetem quase sempre a ações truculentas, ao assédio moral (a AmBev entende bem dessas coisas, se levarmos em conta os inúmeros processos a respeito em todo o País), ao estrangulamento de iniciativas para promover a livre circulação de informações e à manutenção de um clima não saudável.
As empresas continuam, em sua maioria, praticando a tese "de quem pode manda e quem tem juízo obedece", sufocando a liberdade de expressão, punindo aqueles que ousam expressar suas divergências e literalmente expulsando dos seus quadros centenas de jovens talentosos que não se curvam à truculência de chefias incompetentes.
Ainda bem que há exceções, mas elas, na verdade, apenas confirmam a regra, um panorama triste para o século XXI que se caracteriza pela agilidade e instantaneidade dos relacionamentos e que postula equidade, justiça social e compromisso com a qualidade de vida.
As empresas não transparentes não conseguem, felizmente, permanecer impunes por muito tempo: pelo contrário, estão cada vez mais estão expostas, com suas mazelas e posturas autoritárias reveladas por blogs, grupos de discussão e processos que se multiplicam aqui e acolá, como represália de uma sociedade que anda farta das corporações predadoras.
É preciso mesmo despi-las em público, mostrar a sua verdadeira cara, repudiar sua cultura organizacional transgênica, avessa ao diálogo, intolerante e ultrapassada.
A comunicação empresarial deve estar comprometida com a transparência, com a ética, com o profissionalismo e repudiar maquiagens, limpezas de imagem, promovidas por empresas e agências de comunicação "de porta da cadeia", sempre dispostas (por um bom dinheiro, é claro) a ludibriar a opinião pública.
Transparência já. O resto é tabaco, amianto, glifosato, Vioxx, bebida alcoólica e Big Mac.
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*Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP e professor de Jornalismo da ECA/USP. Diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa.
Disponível em: http://www.comunicacaoempresarial.com.br/comunicacaoempresarial/artigos/comunicacao_corporativa/artigo14.php
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