Júlio César Vasconcelos
- "Rapidinho o senhor vai saber! Logo, logo o senhor me fala...".
O ano era 2005 e eu acabava de assumir uma Gerência Corporativa de Recursos Humanos em uma empresa familiar, na grande São Paulo. Logo que cheguei àquela cidade, fiquei hospedado em uma residência de propriedade da organização em um condomínio de luxo e, no outro dia cedo, o motorista foi me buscar. Tão logo ele chegou e estacionou o veículo, ao lado da pomposa residência, entrei e lhe desejei um bom dia, estendendo-lhe a mão, sorridente e animado.
O motorista olhou para mim com certo olhar de desprezo, tocou minha mão
estendida com um toque desvivificado e, friamente, respondeu-me:
- Bom dia! Bem-vindo ao inferno!Por um breve momento, senti-me como se estivesse levado uma pancada. Tentei ainda conservar meu sorriso, mas ele foi desaparecendo de maneira pausada. Recolhi minha mão gelada que tinha sido por ele tocada. Tentei organizar minhas ideias e, nesta tentativa, perguntei-lhe, de forma meio desconcertada:
- Como assim, "Bem-vindo ao inferno?".
Ele, secamente, respondeu-me:- "Rapidinho o senhor vai saber! Logo, logo o senhor me fala...".
O trajeto era curto e ele não comentou mais nada. Chegamos à empresa, passei pela portaria e entrei no "inferno". Para minha infelicidade, o motorista falara a verdade...
A narrativa acima poderia ser de um filme de terror ou de uma estória dramática, mas infelizmente trata-se de uma realidade! Uma dura e traumática realidade! Pobre dos trabalhadores que precisam sobreviver em empresas como esta, totalmente desprovidas de ética e de civilidade! E o pior é que elas existem, e são muitas por aí espalhadas!
Gustavo Boog, em seu livro "O Desafio da Competência" desenvolve, de uma maneira muito acertada, uma belíssima abordagem sobre cultura organizacional e, entre os vários tipos de cultura citados, descreve um que denomina de "Inferno Organizacional". É o tipo característico da empresa em que a busca pelo lucro maquiavélico impera de forma intransigente e desenfreada! Não existe respeito pelas pessoas, nem pelas leis e o investimento em tecnologia e processos é inexistente ou escasso. O autoritarismo e o medo são práticas desveladas, tornando a mão de obra cada vez mais escravizada. Os salários são baixos e as condições de trabalho ruim, evidentemente com exceções para algumas classes privilegiadas.
O índice de acidente de trabalho é elevado e as punições de caráter extremado: advertências, suspensões e justas-causas são mecanismos altamente utilizados. O critério de seleção e de promoção dos empregados é subjetivo, normalmente ligado a questões pessoais. E, por que não dizer, sexuais? São empresas que não possuem organogramas, mas "orgasmogramas", jargão utilizado de maneira pernóstica e velada por alguns membros de uma cúpula depravada. Neste contexto, algumas figuras femininas dotadas de atributos físicos excepcionais e desprovidas de competências profissionais são facilmente encontradas ocupando cargos de direção, com salários em patamares elevados. Em ocasiões especiais, o poderoso chefão se traveste de "pai dos pobres" e promove o "pão e o circo" para a alegria da galera com visão obscura.
São festas regadas em cerveja e churrasco, onde ele se senta em uma mesa rodeada de puxa-sacos, distribuindo brindes para a peãozada. No final da festa, tudo se transforma em um verdadeiro carnaval e na segunda-feira, com uma baita ressaca e preocupado com os exageros praticados, volta o trabalhador inseguro ao trabalho, temeroso do que o aguarda!
A princípio pode parecer muito surrealista este quadro, mas, com certeza, vários leitores que já passaram ou passam por esta infernal etapa compreendem exatamente o que estou falando e sabem do que se trata.
Surge, então, no ar uma pergunta que não quer se calar: até quando organizações deste tipo vão continuar???
Boog cita ainda no seu livro, um tipo de cultura que denomina de "Nirvana" ou "Paraíso Organizacional". São tipos de empresas que investem de maneira séria, respeitosa e sistemática na valorização e no desenvolvimento de seus empregados, tanto quanto investe na melhoria de seus processos e na obtenção de resultados, não só de curto, mas também de médio e longo prazo. Estas empresas estabelecem a primazia do ser humano sobre o capital. Renomados estudiosos sobre o assunto, entre eles o Peter Drucker, considerado "O Pai da Administração" e o próprio Boog, não têm dúvidas em afirmar que o sucesso de qualquer empresa está relacionado a uma gestão ética, participativa e socialmente responsável e, além disto, ao respeito, ao reconhecimento e à motivação dos empregados. Empresas que não agem assim, com certeza, estão fadadas ao fracasso!
Enfim, Nirvana ou Inferno Organizacional? Vale à pena refletir:
Como empresário, em qual tipo de empresa a sua se enquadra? Tem certeza? O que diriam seus empregados se eles pudessem, livremente, expressar-se?Como empregado, em qual tipo de empresa você trabalha? Já se perguntou qual o seu papel nisto tudo e o que você está fazendo para reverter ou contribuir para este quadro, se for o caso?
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